sexta-feira, 25 de julho de 2014

"Na defesa do discurso radical"

Entrevista com Zé Maria publicada pelo jornal Gazeta do Povo

Zé Maria no lançamento das candidaturas do PSTU Paraná
22 de julho de 2014
Candidato à presidência da república do PSTU pela quarta vez, José Maria de Almeida –o Zé Maria – não teme defender posições radicais, como a estatização dos bancos, das áreas de agricultura e a reestatização de setores que estão sob o controle de empresas provadas, como as telecomunicações. O partido rejeitou a criação de uma frente de esquerda na campanha de outubro, quando poderiam se aliar ao PSol, para ter liberdade de pregar o que acreditam. “Mais do que voto, estou interessado em ser sincero com o eleitor. E não abro mão do programa do partido, mesmo que isso signifique perder votos”, diz o candidato.
Zé Maria, que já concorreu ao cargo em 1998, 2002 e 2010, afirma que outros partidos de esquerda estão dispostos a amaciar o discurso para que sejam tolerados pelos eleitores. Para ele, foi o aconteceu com o PT, partido que ajudou a fundar. “O PT tinha um projeto de construir um país mais igualitário, mas esta ideia foi desvirtuada”, aponta. No entanto, ele não perde a esperança de que uma revolução dos trabalhadores aconteça no Brasil: para Zé Maria, ela inclusive está próxima.
O presidenciável esteve em Curitiba na última quarta-feira para o lançamento de candidaturas no Paraná e visitou a redação da Gazeta do Povo. Confira alguns trechos da entrevista.

O senhor, que é da esquerda socialista, está concorrendo ao cargo de presidente da República pela quarta vez. Há 12 anos, o governo federal é de um partido que nasceu com ideais parecidos. Acha que este cenário facilita a aceitação de um candidato do PSTU, mais do que nas outras tentativas?
Acho que não é só por isso. Há uma mudança na situação política do país que, obviamente, vai interferir no cenário eleitoral. Desde junho do ano passado, o que nós vimos com aquelas manifestações, em um primeiro momento com mobilizações na rua e depois com muitas greves e greves cada vez mais radicalizadas, é que há um descontentamento generalizado. A atual forma de governo vai acabando com a paciência das pessoas, que sofrem com injustiças, com a desigualdade que existe no país. E estas pessoas veem entrar eleição e sair eleição e o país não mudar. Muda o partido que chega ao poder, mas a vida do povo segue sacrificada como sempre em um país que tem plenas condições de prover tudo que as pessoas precisam para que tenham vida digna. 
O sacrifício das pessoas não é porque o país não tem recursos, é por causa da desigualdade, dos privilégios dos bancos e das grandes empresas no país. E o sentido da campanha do PSTU é apresentar aos jovens e trabalhadores brasileiros justamente um projeto novo para o país. Você falou que o PT governa há 12 anos. Eu fui fundador do PT e o partido surgiu justamente para ser um instrumento político para a luta do povo, para mudar o país e transformar a prioridade do Brasil: deixar de ser o banqueiro, a empreiteira, o agronegócio e passar a ser o trabalhador, o jovem. Infelizmente, as escolhas feitas pela direção do PT nesse período, fundamentalmente buscar uma aliança com o empresariado para financiar suas campanhas e chegar ao governo, não nos mostrou nenhuma mudança. 
O PT ampliou o alcance do bolsa-família? Ampliou. Isso ajuda as famílias mais pobres do país? Ajuda, evidentemente que R$ 50 ou R$ 200 no orçamento de uma família pobre faz diferença. O problema é que o que essas famílias precisam de fato é emprego, é salário digno, é serviço público de qualidade. Isto o país tinha plena condições de fazer, mas não fez porque o PT manteve privilégio dos bancos e das grandes empresas. Nós queremos apresentar um programa que mude o Brasil, para atender as demandas das pessoas que estão nas ruas: saúde, educação, moradia, salário digno, reforma agrária.

O senhor fala que o país teria plenas condições para oferecer esse novo cenário. Como isso seria viável?
Em primeiro lugar, é preciso estatizar os bancos, o sistema financeiro e suspender o pagamento da chamada dívida pública. A dívida pública leva, em média, 43% do orçamento público anual para o sistema financeiro. Desde a Constituição de 1988 está determinado que se realize uma auditoria nos contratos da dívida pública do país. Os governos não fazem isso porque há uma subserviência, uma dependência econômica dos partidos político com estas grandes empresas que se beneficiam porque são proprietários dos títulos da dívida pública. Isto é praticamente um repasse de recursos público aos bancos. Em segundo lugar, é preciso parar as privatizações. 
O serviço público tem de estar a serviço da população. Então, tem de reestatizar aquilo que foi privatizado na área de petróleo, nas telecomunicações, na produção e distribuição de energia, na siderurgia. Estes são setores fundamentais para um projeto de desenvolvimento do país. É preciso enfrentar os privilégios que são dados a grandes empresas na forma de incentivos fiscais, para garantir melhores salários, redução da jornada de trabalho, com melhores condições para o trabalhador. É preciso tirar as terras do país do controle do agronegócio. As terras são controladas por algumas multinacionais que dominam o agronegócio no país e elas são usadas para plantar soja, enquanto o alimento é o principal causador do crescimento da inflação no país. 
O Brasil está importando feijão! Então, é preciso nacionalizar a terra e colocá-la a serviço dos trabalhadores que querem produzir alimentos, para ter alimento barato para todo trabalhador brasileiro. O Brasil, pelos recursos naturais que tem, pela capacidade de produção industrial instalada, pelo tamanho do mercado interno, tem plena condição de atender estas necessidades. Agora, enquanto os bancos estão batendo recordes de lucratividade, como batem todos os anos, as grandes empresas fazendo o que fazem com nosso país, isto não será possível. Ou seja, os problemas que afligem a vida do povo não tem relação com a impossibilidade de resolvê-los, mas com a subserviência dos governos aos grandes empresários.

O senhor defende que várias áreas passem a ser controladas pelo estado. Um dos motes das manifestações de junho de 2013, que também foram citadas pelo senhor, era justamente a melhoria nos serviços públicos, que estão sucateados. Como é possível aumentar o tamanho do estado e fazer com que o serviço público seja de qualidade?
O problema da qualidade do serviço público não é que eles são controlados pelo estado, o problema é quem governa este estado. Veja, esse problema começa no próprio sistema eleitoral. A Dilma Rousseff registrou a candidatura dela e disse que vai gastar R$ 300 milhões na campanha. Aécio Neves e Eduardo Campos, quase isto também. Nenhum deles tem esse dinheiro. Quem vai pagar esta campanha são as empreiteiras, bancos e grandes empresas. 
O problema do serviço público brasileiro é este, porque depois, no governo, estes partidos e políticos vão ter que devolver este valor multiplicado por 10. Depois de eleitos, é preciso gastar para dar, ou devolver, o dinheiro para as empreiteiras que financiam os candidatos. Essa mudança é necessária para atender as necessidades do povo. Para isso, é essencial um governo que seja dos trabalhadores, que rompa com as grandes empresas e mude, de fato, país. Isso passa por uma reforma política, porque hoje em dia os governantes são completamente dominados pelo poder econômico. 
Não há uma incapacidade do estado de administrar os serviços públicos, o que há é descompromisso dos que estão no governo com o povo. Então as mudanças começam por isso. A luta do PSTU envolve convencer os trabalhadores para que eles lutem, junto conosco, contra este tipo de arbitrariedade. Quando construímos o PT, esse era o objetivo. Mas o PT resolveu se aliar aos banqueiros e aos empresários; perdeu esta capacidade. O PSTU defende uma mudança radical em todo este quadro.

O senhor falou que o sistema político funciona em uma lógica errada e esse é um dos motivos pelos quais a gestão pública não é eficiente. Tramita, no STF, uma ação que vedaria a doação de pessoas jurídicas para campanha. Acha que esta proposta positiva? Na tua opinião, além disso, o que mais precisaria mudar?
Em primeiro lugar é preciso estabelecer o mínimo de democracia no sistema eleitoral brasileiro, que hoje não existe. O fim do financiamento de campanha por empresas é um caminho. Eu vou gastar R$ 300 mil na minha campanha. Vou concorrer com candidatos que vão gastar quase R$ 300 milhões, isso oficialmente. Além disso, eles terão mais tempo na propaganda eleitoral do rádio e televisão. Eu vou ter 40 segundos. Essa desigualdade já expressa uma ausência completa de equidade no processo, o que compromete a democracia das eleições. 
Outra mudança premente é que quem comete corrupção, tanto políticos quanto empresas, paguem por isso. Toda semana temos um novo escândalo e não vemos ninguém pagando pelos crimes. As pessoas roubam milhões e depois ficam impunes. Parece até que depois de descobertos e perderem o cargo, podem usufruir deste dinheiro. Parece até que é um prêmio. Por isto eu volto a bater na mesma tecla. O governo tem que ser voltado para os interesses dos trabalhadores. É preciso acabar com o privilégio dos políticos. Se os deputados votam um salário mínimo de cerca de R$ 700, isso significa que uma família pode sobreviver com este dinheiro. Então, porque eles precisam ganhar R$ 26 mil? Deveriam ganhar o salário mínimo também. 
Nosso sistema político é todo invertido. O político é eleito e fica quatro anos governando contra os interesses de quem elegeu, e o povo não tem o que fazer. Era preciso que existisse a revogabilidade do mandato. Essa é a quarta candidatura que eu concorro. Nas outras três que participei, tenho certeza que muita gente, no dia da eleição, foi votar sem sequer saber que eu existia. Quando eu falo que não há democracia, eu estou falando disso. O poder econômico escolhe dois ou três candidatos e os apresenta como se fossem a única alternativa existente. São os que aparecem no noticiário todo dia, os que têm mais tempo na televisão, os que têm milhões de reais para massificar a propaganda no país inteiro. 
Não que eu ache que quem conhecesse as propostas do PSTU fosse votar no PSTU. Mas é um direito das pessoas. Até para um eleitor votar contra as minhas propostas, ele precisa saber que elas existem. Por isso que uma mudança mais de fundo no país tem que estar sentada na mobilização do povo, porque não é só a eleição que vai mudar a vida do povo. A nossa campanha, ao mesmo tempo em que vai expressar estas lutas, também vai servir para estimular o avanço da organização e da mobilização dos trabalhadores, porque é neste caminho é que vamos mudar o país. Por isso que não é só o voto que a gente busca, a gente busca convencer as pessoas a entrar na luta conosco, para haver mudança no país.

Há perspectiva de ampliação de votos do PSTU nesta eleição?
O partido está no dia a dia da luta dos trabalhadores e da juventude, e temos muita gente que vai nos ajudar, no país inteiro, fazendo a campanha de forma espontânea. A gente não paga ninguém para fazer campanha. Mas quem aprendeu a nos respeitar pela luta que temos vai nos ajudar também. Acredito que poderemos ampliar a difusão dos nossos ideais. Na medida em que as pessoas vão conhecendo aquilo que a gente defende, e na medida em que avança a experiência das pessoas com o que sempre acontece no país, vai haver crescimento da força deste processo de mobilização. 
É da natureza humana: as pessoas procuram a solução dos seus problemas sempre na via do menor conflito. Eu brinco sempre: o cara está lá, ele trabalha o dia inteiro, chega em casa cansado, senta no sofá para ver novela e espairecer um pouco. Chega o Zé Maria e fala: ‘meu amigo, para você ter salário digno, saúde, tem que tomar o banco do banqueiro, tem que tirar a terra do agronegócio e tem mais, você vai ter vir brigar comigo’. O cara pensa: ‘dá pra tomar uma Kaiser antes?’. O outro candidato fala: ‘para ter tudo isso que o Zé Maria falou, basta votar em mim que eu faço isso para você’. Se você não tem que se mexer para os seus problemas serem resolvidos é melhor, mas o que aconteceu no último ano é que as pessoas estão vendo que aquele que vai lá prometer as coisas, na realidade não faz nada. E que é necessário que cada um se mova para alcançar estes objetivos.

Houve um momento de aproximação entre o PSTU e o PSol, que poderiam formar uma coligação para disputar a presidência da república. Havia esta possibilidade e porque ela não se concretizou?
Olha, são dois partidos da esquerda socialista e estão na oposição ao governo do PT, mas são dois partidos muito diferentes. Isso se manifestou nas discussões que nós fizemos: havia a possibilidade de formar uma frente de esquerda, mas porque não aconteceu? O sentido que nós, o PSTU, vemos na participação das eleições é para apresentar este projeto do qual falamos. Nesse sentido, precisamos enfrentar este senso comum que está presente na cabeça das pessoas, que acham que pelo voto simplesmente algum político vai resolver os seus problemas. Então, para nós, o sentido desta eleição é ganhar as pessoas para esta luta. 
O PSol, e assim foi colocado na discussão, tem preocupação de não apresentar para as pessoas as propostas que possam parecer muito radicais, porque isto dificultaria a disputa do voto. O que nós dissemos a eles? Nós vamos disputar os votos, mas se isso significar abandonar o programa do partido, não tem sentido, não nos adianta ganhar o voto das pessoas dizendo que nós vamos resolver os problemas para elas. Porque nós não vamos, sem promover estas mudanças de fundo no país. Esta foi a razão porque não houve a frente de esquerda. Foi o que aconteceu com o PT. Essa ideia de minimizar o discurso para ganhar o eleitor nós vamos vimos lá na década de 1980, eu já sei o fim dela e não quero ver de novo. O PSTU não tem disposição de atuar desta forma.

Historicamente, as experiências socialistas não foram bem sucedidas e não são bem vistas. Como defender um possível governo socialista frente a estes exemplos históricos?
Esta discussão, de fato, é difícil, porque com a crise e queda dos regimes stalinistas na antiga União Soviética, no leste da Europa, se convencionou que aquilo que havia naqueles países era o socialismo, quando na verdade não era. A revolução dos operários russos em 1917 foi legítima e melhorou muito a condição de vida daqueles trabalhadores. Eles deram saltos imensos na qualidade de vida e em poucos anos. Houve melhoria justamente porque foi expropriada a burguesia e os recursos do país passaram a ser propriedade comum, foram colocadas a serviço da população. O que houve nesses países e nós não reivindicamos? 
Nós somos socialistas, Trotskistas, e a nossa corrente política se construiu contra o Stalinismo, contra a degeneração que houve nestes governos. Porque se conformou uma burocracia, uma casta, que tomou pra si o poder, o governo, que deixou de ser dos trabalhadores. A organização passou a defender os privilégios daquela casta. Pra nós, o socialismo pressupõe dividir os ganhos igualmente, para garantir vida digna ara todos. Mas significa também democracia, para que o povo controle o governo: sem isso não há socialismo. No começo da instituição de um estado socialista na União Soviética, o governo era gerido por conselhos, compostos por representação do povo. Estes componentes podiam ter seus mandatos revogados. Isso foi destruído com Stalin. 
Nós somos contra governo de partido único. Temos muito orgulho do que somos como partido, mas não temos pretensão que apenas um grupo ou uma ideia vá representar toda a população brasileira, ele sempre vai representar uma parte. O governo ideal não seria apenas um governo do PSTU, mas aquele no qual as organizações e as esferas da sociedade estão representadas e tem voz ativa, independente de preferência ideológica.

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